Com mais de 30 anos de carreira, o cantor Junior anuncia seu retorno no cenário musical com a primeira parte de seu projeto “Solo – Vol. 1”. Durante coletiva de imprensa realizada hoje, 30/10, Junior contou que estar de volta aos palcos com a turnê “Nossa História” em 2019 foi o start para que surgisse essa vontade de alçar seu voo solo, que dá nome ao novo projeto.
“Depois dos shows da turnê, eu não conseguia dormir. Não baixava a adrena, sabe? Comecei a olhar pra minha vida… Já nos ensaios, com meus pedais, entendendo como eu iria timbrar a guitarra para cada música, me veio… Caramba, o que é que eu tava fazendo longe disso!? Com o microfone, a minha guitarra, cantando as minhas músicas, aquilo era endorfina pura. Eu sou isso! Era isso que tava vazio na minha minha vida”, conta Junior.
O projeto sofreu um atraso por conta da pandemia, mas as composições foram trabalhadas desde 2020 e ganharam forma no último trimestre de 2022, no estúdio No Santo Som, em Campinas. De um total de 54 músicas, foram pinçadas dez para este primeiro volume. Outras onze (mais dois interlúdios) irão entrar em um segundo e futuro lançamento.
“Com estas músicas, eu conto um pouco da minha história. As minhas dores, as minhas alegrias, as frustrações, as barreiras. Claro, com licença poética, me permitindo outras perspectivas, mas sempre baseado no que eu vivi e observei. Estou presente em cada vírgula deste disco. Por tudo que construí até aqui, sinto uma liberdade muito grande. Apesar de querer fazer um som pop, de me perceber como artista pop, não sinto a menor necessidade de cumprir regras e seguir padrões da indústria”, afirma Junior. Não é por acaso que a faixa 5 se chama “Foda-se”, um mantra eletrônico groovado servindo de base para um texto libertário (escrito por Dani Black) declamado por Junior.
Ele mostrou as demos do álbum para seu amigo, o americano (nascido na Argentina) Sebastian Krys — que assinou a produção de “Sandy & Junior”, de 2006, e de “9MA”, da banda Nove Mil Anjos —, dono de uma penca de Grammys por trabalhos que vão de Gloria Estefan e Shakira a Elvis Costello. “Ele curtiu e me disse para não tomar nenhuma decisão pensando em agradar aos outros. Aquilo me deu uma injeção de ânimo incrível”, conta.
Desde 2019, o sucesso retumbante e a excelência técnica da turnê Nossa História, de Sandy e Junior, deixaram claro: havia um grande ídolo pop no Brasil, mais do que pronto para ocupar um lugar só dele, encantando, divertindo e emocionando multidões nas maiores arenas do país. Jovem, mas com talento musical, carisma e habilidades performáticas provadas e comprovadas ao longo de décadas de carreira, Junior era — é — um sonho de consumo para qualquer diretor artístico ou executivo da indústria fonográfica.
Depois de anos de projetos dedicados à música eletrônica e ao rock, Junior reencontrou sua essência pop. “Voltei a dançar, a enxergar o show como um espetáculo, com marcações e coreografias. Foi nesse contexto que eu cresci. Pensei: ‘Se eu quiser fazer uma parada minha, tem que ser pop’. Posso ter ido viver tudo que eu vivi em outros gêneros, mas minha formação como artista está no pop, a minha potência tá no pop”.
No entanto, no meio do caminho para este “Solo — Vol. 1”, havia uma pandemia. Em 2020, o plano de Junior era passar um ano em Los Angeles, com a família, e desenvolver um disco com um produtor gringo. De repente, ele se viu em isolamento, numa casa em obras, meses sem fazer música e com zero perspectivas de mercado para um novo projeto. Baqueado, como tantos brasileiros, pelas mortes e descaminhos do enfrentamento da covid no país, ele começou a tentar trabalhar com um sintetizador portátil OP-1, uma guitarra e um computador caseiro. Foi salvo de um princípio de depressão ao rolar a tela do celular e topar com uma famosa entrevista da escritora Clarice Lispector à TV Cultura, em 1977, em que ela dizia: “Eu acho que quando não escrevo eu tô morta”. “Caí numa crise de choro. Ali eu vi o quanto eu estava morto. Foi aquela batida no fundo do poço. PQP! Falei: ‘Vou pegar meu violão agora!’”, lembra Junior.
Ele reagiu e retomou o processo criativo a partir de uma canção densa, “Sou”, enviada por seu pai, Xororó, que começava com “Hoje eu consigo perceber/ Tudo o que vivi não foi em vão/ Aprendi que posso escrever uma nova história”. “Meu pai é ligeiro. Ele sacou que eu tava meio mal e me mandou isso: ‘Ó, filho, fiz aqui com meus parceiros (Tony e Kleber), pensando em você’. Eu falei: ‘Filho da mãe! Ele tá falando do processo que eu vivi na turnê!’”. Além de ajustar a letra, Junior saiu mexendo na harmonia, colocando sutis surpresas, como um mi maior em um momento que “pedia” um mi menor.
O pop de “Solo — Vol. 1” é papo reto, mas com algumas entortadinhas harmônicas, ao gosto do autor. “É um sabor que gosto de colocar, uma parada muito minha, de tentar fugir do óbvio”. Em uma das faixas, “Passar dos Danos”, rola até um clima bosseado na frase do piano elétrico, combinada com citação de “Cotidiano” (Chico Buarque) na letra. Nos vocais, Junior alterna suavidade, tensão e eventual acento soul, conforme as necessidades interpretativas. E sabe usar a seu favor efeitos, dobras e recursos de estúdio. Além de excelente músico, ele é hoje um artista com total cabeça de produtor. Ninguém passa por mais de dez anos de experiências eletrônicas (no Dexterz e no Manimal) sem ser profundamente transformado.
O lado baterista aparece com mais destaque na faixa de abertura, o balanço “De Volta Pra Casa”, com baixo programado e baixo tocado — por Dudinha, velho companheiro desde os tempos de Soul Funk, a banda que Junior montou em 2005 para tocar covers no Na Mata Café, em São Paulo. O arranjo inclui viradonas que remetem ao hit “Easy Lover” (Phil Collins e Phillip Bailey), dos anos 80, feitas com rotontons míticos em uma Ludwig Vistalight (a bateria preferida de John Bonham, do Led Zeppelin). A faixa também é a primeira a ganhar clipe, com direção de Belinha Lopes e filmada em um Hangar, Junior é o protagonista do vídeo, canta e dança, enquanto interage com a câmera.
Acostumado a co-produzir discos desde “Identidade” (2003), Junior assina a produção de todas as faixas do álbum junto com Felipe Vassão e Lucs Romero. O time de colaboradores também teve os talentos de Thalles Horovitz, Lucas Vaz, Gabriele Felipe, Vivian Kuczynski Jenny Mosello, Bárbara Dias, Vitor Kley e de Lucas Nage, Pablo Bispo e Ruxell.
Nesse esquema de trabalho, trocas mais “orgânicas” deram origem a algumas das melhores composições do álbum, como “Gatilho”, surgido a partir de uma conversa na hora do café e complementado instantaneamente numa inocente passadinha pelo estúdio, a caminho do banheiro. Grande parte do repertório tem apelo dançante, como “Paraquedas” que trabalha o “dançar pra não dançar” fazendo uma crônica sensível de dias difíceis para a humanidade.
Dentro da diversidade do que pode ser descrito como pop adulto, “Solo — Vol. 1” tem ainda espaço para a sensualidade R & B angustiada (“Ninguém é Santo”) e para duas canções com potencial para ficar no repertório de Junior por décadas. Ambas foram inspiradas pela paternidade, mas musicalmente seguem caminhos distintos — assim como as personalidades dos homenageados. “O Dom” é um épico para arrepiar arenas, presente de pai para filho de Xororó, que Junior soube complementar com sensibilidade em vocais arrojados, letra — endereçada ao pequeno Otto, seu filho mais velho — e arranjo (com belo trabalho de guitarra de Filipe Coimbra). Já “Novo Olhar”, docinho de timbres “oitenteira” embalado por synth bass e baixo “de verdade”, é uma declaração de amor para a filha Lara, mas também se presta a animadas playlists noturnas ou de corrida. Uma das possíveis leituras deste “Solo — Vol. 1” passa por forças, afetos e talentos que atravessam gerações. “It’s a family affair” (“É um assunto de família”), diria um fã de soul music, emocionado, mas sem parar de dançar.
Junior – “Solo — Vol. 1”
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